30 de maio de 2008


OS MAL-ENTENDIDOS DO NOTICIÁRIO ECONÔMICO
Douglas Stange


Em minha curta vida acadêmica (apenas 5 míseros anos de graduação em Ciências Econômicas; o que não garantiu-me qualificação profissional suficiente para sobreviver com dignidade e sem ajuda dos meus pais simultaneamente), nenhuma figura marcou tanto minha memória como o Prof. Jairo.

Com seu jeitão mineiro de ser e aquele sotaque de “Nerso da Capitinga”, ele costumava soltar verdadeiras preciosidades filosóficas, capazes de gerar tanto risos quanto indignação entre meus colegas e eu.

Por exemplo:

Quando a Universidade cogitava implantar um programa de reciclagem para professores, lá veio o Prof. Jairo com esta:

“Esse reciclagem tem que ser feita com cuidado; pois tem muito professor aqui que é que nem pneu careca: não adianta mais” recauchutá”, tem que” trocá.”

Entre outras pérolas que não convém comentar aqui, uma em especial me chama a atenção até hoje:

““ Estudar demais tem um lado ruim: a gente tem que ouvir muita” bobági” por aí”.

Era exatamente aí que eu queria chegar. Enquanto economista – talvez, não um economista digno de respeito; mas certamente um apaixonado entusiasta das Ciências Econômicas – não consigo conformar-me com o que ouço sobre Economia vindo da boca de cidadãos, digamos assim, normais. No ônibus, no supermercado, na fila do banco, na sala de espera do dentista; enfim, em qualquer lugar, há sempre um ou mais “economistas de plantão” ao criticar a política econômica do governo e propondo as mais variadas “fórmulas mágicas” para todos os nossos problemas. Alguns até arriscam previsões sobre a conjuntura econômica. Enfim, quando o assunto é Economia; temos entre o nosso humilde povo mais gênios do que na lista de vencedores do Prêmio Nobel de Economia e há mesmo tempo, mais profetas do que no Velho Testamento (ou o Novo, já que a maioria dos que se arriscam em previsões econômicas portam-se como os profetas do Apocalipse). Em época de Copa do Mundo, costuma-se dizer que “o Brasil é um país com 170 milhões de técnicos da Seleção”; sendo assim, também podemos dizer que o Brasil é um país com 170 milhões de economistas e potenciais ministros da Fazenda. Como diz uma canção de Raul Seixas: “todo mundo explica tudo”.
Chega a ser divertido de tão tragicômico!

Para que o Brasil precisa de economistas, se qualquer dona de casa conseguiria administrar as finanças deste país mais racionalmente do que a maioria de nós? Não é à toa que colocaram um médico no Ministério da Fazenda. Se bem que o ministro do governo anterior tinha formação em Engenharia Elétrica, talvez por isso ele vivesse nos dando “choque”.

Economistas? Ora, para que? A maioria das poucas empresas que prosperaram nos últimos parecem ter guiado-se muito mais por indicadores microeconômicos do que macroeconômicos. Traduzindo isso para “língua de gente” (sim, pois parece que aos olhos da sociedade; nós, economistas não somos “gente”); os dirigentes destas empresas preocupam-se muito mais com custos médios decrescentes, otimização de custos e produtividade do que com análises de tendências de mercado, taxas de câmbio e de juros, conjuntura econômica nacional e internacional. Não vou falar mais em empresas, pois assim estaria invadindo o quintal de meus colegas Administradores de Empresas; que certamente colocariam-me para correr, aumentando ainda mais meu complexo de inferioridade perante a estes profissionais tão bem conceituados.

Às vezes, sinto vontade de rasgar meu diploma (acredito que outros economistas também sintam) nas ocasiões em que sou obrigado a ouvir certas coisas. Todos os anos, durante o carnaval, minha maior vontade é de fazer confetes com meu diploma, e atirá-los na goela do primeiro folião que passar por mim de boca aberta. Não é raro que eu sinta-me um inútil enquanto economista, e acredito que a maioria de meus colegas também já se sentiu assim pelo menos uma vez na vida.
Para que queimar pestanas sobre os livros de Smith, Marx e Keynes (entre outros), gastar baterias e mais baterias de calculadoras financeiras, fazer força carregando por aí o peso de um livro de Microeconomia do Pyndick, preocupando-se em entender elasticidades, Taxa Marginal de Substituição, curvas de Demanda e Oferta Agregadas e outras baboseiras inúteis? Qualquer chefe de família que tenha estudado até a 4a série é capaz de pôr ordem na casa não indo além das 4 operações aritméticas!

Economista complica demais! O negócio é simplificar! E é tudo tão simples a tudo tão à vista!
Mal imaginam esses pobres diabos o quanto nós, economistas ficaríamos satisfeitos se assim fosse!

Revolta-me a mania do brasileiro em criticar e querer corrigir tudo sem conhecimento de causa.

Pode parecer arrogância e sarcasmo da minha parte. Parece fácil criticar pessoas humildes e que, ao contrário de minha pessoa, não tiveram acesso a um curso superior (nem mesmo a um nível de escolaridade mais baixo, na maioria das vezes) e às informações e teorias importantes. Talvez o prezado leitor esteja se perguntando “porque o sabichão aqui não baixa o nariz, desce do pedestal e tenta usar seus conhecimentos para esclarecer estas pessoas”, indagação esta com a qual humildemente concordo, admitindo que me falte coragem para tal atitude. Confesso que na maioria das vezes dá vontade, mas a timidez impede.

Nem sempre os “cidadãos normais” (usemos este termo para referirmos aos não-economistas) são incultos e desinformados. Muitos realmente procuram compreender os fatos e manterem-se atualizados; utilizando-se da imprensa escrita, falada, televisionada e “internetizada” para tais propósitos. Prestam atenção ao noticiário econômico com muito cuidado a cada detalhe. Procuram estar o mais possivelmente esclarecidos, filtram informações e processam com “requintes de lapidação” aquelas informações que julgam importantes. E fazem questão de expor suas opiniões, afinal, estamos num país democrático, temos liberdade de expressão.

É aí que mora o perigo!!!

Boa parte do noticiário econômico mais confunde do que explica. Ou melhor, na maioria das vezes, os Editores de Economia pensam estar escrevendo para quem entende de Economia; talvez pelo fato de terem comprado a idéia de que todo brasileiro é um economista de fato! Parecem supor que todos aqueles que irão ler ouvir e ver; possuem conhecimentos de Teoria Econômica. Por isso acabam omitindo alguns fatos e distorcendo outros; ou melhor, expõe tudo certinho aos olhos de qualquer estudante de Economia, mas que acabam acabam sendo distorcidas e mal interpretadas pelos não-economistas; certamente por mostrar fatos sem as devidas explicações teóricas, por mais simplórias que sejam.

Exemplos não faltam.

Recentemente uma elevação da taxa de câmbio foi atribuída a certas declarações do presidente Lula.
Pronto, a maioria dos leitores, ouvintes, telespectadores e internautas já culparam a “língua grande do Lula” por mais uma alta no dólar.

Ora; qualquer pessoa – por menor que seja seu grau de instrução - tem noção da “Lei de Oferta e Demanda”.
Não é difícil abstrair que os preços de um determinado bem se elevam quando a procura é maior do que a oferta. Com o dólar ocorre exatamente o mesmo: o governo precisa de dólares para honrar compromissos assumidos no exterior; as empresas precisam de dólares para pagar dívidas contraídas no exterior, bem como para importar materiais, máquinas e componentes; o cidadão que viaja ao exterior necessita de dólares, etc.
Ora, a oferta de dólares é determinada pelas reservas do governo. Se estas reservas são insuficientes para satisfazer as necessidades de todos; o preço do dólar – ou seja, a taxa de câmbio – deve subir.
Por outro lado, a oferta de dólar (ou seja, as reservas) depende de superávites no Balanço de Pagamentos; ou seja, o país deve receber do exterior mais dinheiro do que envia ao exterior. Nesta conta entra a Balança Comercial (exportações menos importações) a Balança de Serviços (juros pagos e recebidos com o exterior), a quantidade de moeda estrangeira que os cidadãos brasileiros adquirem para utilizar em outros países (e também a quantidade de reais que os visitantes estrangeiros adquirem para nos visitar), bem como royalties, direitos autorais, etc. Ora, sabe-se que o Brasil envia muito mais dinheiro ao exterior do que recebe; portanto, nosso Balanço de Pagamentos na maioria das vezes é deficitário. Com balanço deficitário, fica muito difícil evitar altas nas taxas de câmbio.
Quem explica isso ao cidadão comum? São raros os casos.

Outra questão: a Dívida Externa.

Pouca gente sabe; mas na conta da dívida externa entram não somente os compromissos assumidos no exterior pelos governos (municípios, Estados e União), mas também as dívidas contraídas no exterior pelas empresas. Surpreendentemente, a maior parcela da dívida pertence às empresas e não aos governos. Portanto, não cabe apenas ao governo federal a responsabilidade pela dívida externa, o governo deve agir como agente fiscalizador e controlador dos empréstimos externos contraídos por municípios, Estados e empresas.

No entanto, quando se fala em Dívida Externa, o Governo Federal é visto como o grande vilão. Muitos os que repetem isto nem sabem que o Governo Federal é o principal prejudicado pela Dívida Externa.


O grande problema não é a Dívida Externa, e sim, a Dívida Interna.

Qualquer criança sabe que os governos (federal, estaduais e municipais) gastam mais do que arrecadam. Isto gera o famoso “Déficit Público”. Qualquer chefe de família sabe: déficit tem que ser coberto de alguma maneira. O Déficit Público tem duas fontes de financiamento em curto prazo: emissão de moeda e emissão de títulos da dívida pública.

Emitir moeda gera aumento na demanda: com mais dinheiro em circulação, a lógica é de que as pessoas queiram comprar mais bem e serviços e que as empresas invistam mais para suprir esta demanda. Ora, “moeda” também é mercadoria, e como tal, também obedece à Lei de demanda e oferta. Com maior quantidade de moeda em circulação (ou seja, maior OFERTA MONETÁRIA), o preço do dinheiro (a TAXA DE JUROS) cai. Aumento de demanda e juros baixos incentivam o consumo e o investimento. Há um aquecimento na atividade econômica. Infelizmente, nem tudo são flores: ao longo do tempo, por uma gama de fatores, chega-se a um ponto em que a oferta não consegue suprir a demanda. Isto ocorre principalmente quando há “emissão monetária sem lastro”, ou seja, o governo emite moeda sem que haja uma reserva de valor. “Lastro” é uma quantidade de moeda estrangeira ou ouro ou qualquer outro bem que o governo tenha como reserva. Estas reservas dependem do PIB, Produto Interno Bruto, soma de tudo o que o país produz. Quanto maior o PIB, maiores as reservas, maior o lastro monetário. Quando o governo emite moeda para financiar déficities, geralmente esse aumento na Oferta Monetária ocorre sem que tenha ocorrido um aumento proporcional nas reservas. O país não teve um aumento na atividade econômica; ou seja, não há condições para que se aumente a oferta e suprir a demanda crescente.
Daí os preços sobem. Tem início um processo inflacionário.
Portanto, emissão de moeda gera Inflação.

Emitir títulos da dívida pública mexe com a taxa de juros. Quanto mais os governos se endividam, maiores terão de ser as taxas de juros; para atrair compradores para estes títulos. Quanto mais o governo vender títulos, mais dinheiro sai de circulação. Menos dinheiro em circulação e altas taxas de juros inibem o consumo e o investimento, contraindo a atividade econômica. Tem início um processo recessivo.
Portanto, emissão de títulos da dívida pública gera Recessão.

Se por ventura, o prezado leitor já se perdeu, basta enviar-me um e-mail, que será respondido o mais rápido possível, e toda e qualquer dúvida será esclarecida.

Outra generosa fonte de confusão no noticiário econômico é o mercado financeiro.

Explode uma crise num país qualquer e pronto: as bolsas de valores caem, o dólar sobe, o governo quer mexer na poupança e nos fundos de investimento e blá blá blá...

Ora, isto ocorre porque o Brasil é muito dependente do capital externo, geralmente um capital especulativo; o chamado “hot money”, dinheiro de especuladores estrangeiros que chegam aqui de olho em ganhos de curto prazo (sabiamente chamado por Roberto Campos de “capital de motel”). Geralmente estes especuladores têm dinheiro aplicado no mundo inteiro; ao perder uma parcela deste capital em um país que tenha entrado em crise, precisam pagar o prejuízo; portanto tiram esse “dinheiro de motel” daqui, não só daqui como dos chamados “países emergentes”. Entenda-se por “países emergentes” ou “economias emergentes” um termo mais bonitinho que arrumaram para referir-se ao Terceiro Mundo. Além de cobrir prejuízos, os especuladores também querem colocar seu capital em mercados mais seguros, ou seja, o Primeiro Mundo; por entenderem que todos os “países emergentes” são iguais e não oferecem segurança. Ora, como o governo precisa deste capital para figurar no Balanço de Pagamentos numa incrível “ficção contábil”, procura fazer de tudo para segura-lo por aqui. Aumento de juros, desvalorização da moeda, etc. E logicamente, tais medidas influem em nossos respectivos e já tão combalidos bolsos.

Outro ponto que me causa grande preocupação é a Bolsa de Valores. Quem assiste telejornais, mesmo sem prestar atenção, já deve ter ouvido falar no Índice Bovespa. O Índice Bovespa é um indicador estatístico de desempenho das principais ações negociadas na Bolsa de Valores de São Paulo. É uma média ponderada. Quando se diz que o Índice Bovespa subiu, isso não quer dizer necessariamente que todas as ações subiram; algumas subiram, outras não, mas na média, houve aumento no preço das ações. O mesmo vale em caso de queda.

Agora imaginem um aposentado que tenha algumas ações da Petrobrás conseguidas com muito suor ao longo de toda uma vida. Esse senhor ouve no rádio “o Índice Bovespa caiu 2%”. Provavelmente entrará em pânico, imaginando uma desvalorização de 2% em suas ações! Terá a sensação de estar ficando mais pobre. Ninguém lhe esclarece o seguinte: se o Índice Bovespa cai 2%, isso não quer dizer que todas as ações tiveram desvalorização de 2%; algumas caíram mais, outras caíram menos, outras não caíram e algumas até subiram! Na média, a queda de preços foi de 2%.

Imaginem o pobre velhinho desesperado para vender suas ações da Petrobrás como quem brinca de “batata quente”? Imaginem que isto possa ocorrer enquanto as ações da Petrobrás estiveram entre as poucas que não tiveram queda de preço naquele dia? Isto é um prato cheio para os espertalhões do mercado acionário. E um perigo para o pequeno investidor; que não tem bola de cristal nem tempo para ficar no “aquário” da bolsa acompanhando de perto o mercado.

Antes que eu me entusiasme demasiadamente e comece a falar em “déficities gêmeos” e coisas similares; melhor dar um corte em mim mesmo dizendo o seguinte:

Economia é como aquele chavão do “cobertor de pobre”: se cobrir a cabeça descobre os pés, e vice-versa.
Pode-se cortar os pés, cortar a cabeça, encolher todo o corpo, ou até mesmo aumentar o cobertor.

Se o governo mexer nos juros, acaba refletindo no câmbio e na quantidade de moeda circulante; se mexer no câmbio, reflete nos juros e na oferta monetária; se mexer na oferta monetária, reflete no câmbio e nos juros.
Isto ocorre porque o nosso PIB (ou seja, o “cobertor” em si) tem apresentado crescimento medíocre nos últimos anos; e para piorar, o governo tem que lutar contra o déficit público e a dependência do capital externo. Esta situação só poderá ser superada com reformas (sobretudo a tributária); o que depende muito mais dos políticos do que dos economistas.

Geralmente, a imprensa separa o noticiário econômico do político; de modo que as pessoas são obrigadas a montar uns quebra-cabeças para poder entender e analisar tudo. Nem sempre isso é possível, sobretudo no Brasil. É claro que existem exceções, sobretudo na Internet. Existem excelentes sites de notícias, isso sem falar nos sites especializados em economia. Todavia, a maioria da nossa população não tem acesso à Internet, e mesmo entre os que têm, não são muitos os que se interessam por economia e política. Daí complica!

O grande problema no âmbito geral CONSCIENTIZAÇÃO!!

A Imprensa deve ser mais consciente no que diz respeito ao noticiário econômico e sua conexão com o noticiário político. A população em geral deve ser mais consciente das complicações que o governo e demais agentes econômicos tem que se deparar. Nós, economistas temos que ter mais consciência de que nem todos são como nós, seja lá o que isto signifique.

De qualquer forma, é melhor o caro leitor tomar cuidado para não passar de boca aberta por um economista no próximo carnaval.

Douglas Stange é economista

1 Comment:

Anônimo said...

Adorei, seu blog é de muito bom gosto!!! Bjockas e Boa Noite!!!